O DC de 27/05/10 publicou, em uma nota pequena demais, pela importância e gravidade do tema, dados acerca do afastamento de Policiais por conta de tratamentos psicológicos.
A referida nota pode ser encontrada no endereço:
http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2917349.xml&template=3916.dwt&edition=14770§ion=213
Pois, em função desta nota, resolvi explicitar aos mesmos o porquê do número alto de afastamentos. Segue o texto enviado ao jornal, através de alguns endereços que tenho aqui, do referido jornal, tendo em vista que não possuo o e-mail da redação do referido jornal ou mesmo do colunista Rafael Martini, da coluna visor que foi quem publicou o texto em questão.
Segue o texto.
Oportuna a nota do referido periódico, aliás, oportuna e interessante em função do momento em que vivermos.
Como forma de auxiliar e subsidiar o referido jornal e sua conclusão faz-se necessário algumas avaliações.
A profissão de Policial Militar, por si só já é desgastante, visto que trabalhamos (na maioria das vezes) com um segmento da sociedade, o qual e ignorada e “esquecida’ por esta mesma sociedade, que n/ao raras vezes vê no Policial Militar o solucionador de problemas os quais dizem respeitos a vários órgãos, menos a Policia Militar, resumindo, trabalhados com o seguimento social que todos querem distância e falar que o contato com os mais variados tipos de delinqüentes, que cometeram os mais variados tipos de crimes, não influência no psicológico do ser humano Policial Militar é acreditar em super homem. Isto é facilmente perceptível, ao avaliarmos o número de policiais alcoólatras, o número de separações, divórcios e como mostra a própria conclusão da matéria o número de afastamentos. Porém, este não é o único motivo.
Ora, se a profissão que abraçamos por si só já é stressante, naturalmente que deveria haver por parte das autoridades uma valorização, ou no mínimo uma compreensão, como forma, até de uma compensação pelo stress e pela responsabilidade que temos. Infelizmente não é o que ocorre, senão vejamos:
COMECEMOS PELO FUTURO DO PRAÇA.
Em toda a profissão que o ser humano “abraça”, este vislumbra um futuro, uma carreira, enfim uma condição que lhe permita aliar segurança, reconhecimento e valorização e tais atributos, para os Praças das instituições militares estaduais não são disponibilizados.
Temos, ainda hoje, soldados com 24, 25 anos na mesma graduação, a despeito da inúmeras vagas disponíveis e não disponibilizadas. Naturalmente que tal situação desestimula o profissional que sente o tempo passar e percebe que seu trabalho, esforço e sua dedicação não são reconhecidos pelas autoridades, sejam elas civis ou militares. Pior, este mesmo Praça, vê ao seu lado, outra categoria (Oficiais) onde a carreira flui com relativa tranqüilidade a ponto de em menos de cinco anos alguns serem promovidos duas vezes. Eis o primeiro motivo de desestímulo e a situação, acaso uma atitude não seja tomada, tende a piorar sobremaneira, haja visto que os novos Praças que “abraçarão” a profissão já entrarão como uma mentalidade diferenciada em função de possuiremos curso superior e isto por si só já irá exigir uma nova mentalidade tanto dos gestores das instituições militares, quanto das autoridades civis, sobe pena de em um futuro bem próximo a profissão de servidor da segurança pública, policial militar deixar de existir ou servir apenas como trampolim para profissões mais interessantes do ponto de vista de carreira, de futuro. Ou pensamos de forma séria, institucional e coletiva ou então “morreremos” lentamente.
AGORA A QUESTÃO DAS RELAÇÕES INTERNAS.
A evolução e o desenvolvimento social ocorrido na última metade do século XX em diante é visível e se intensificou sobremaneira a partir das décadas de 80 e 90, em função de vários fatores, que vão deste da revolução tecnológica, fato que possibilitou acesso a inúmeras “novidades”, culminando com uma facilitação ao acesso à educação, o que naturalmente possibilitou ao individuo um crescimento intelectual e assim sendo exigindo por parte das autoridades públicas um tratamento condizente com a nova realidade.
Lamentavelmente, as instituições militares “esqueceram” de acompanhar tal evolução e ainda hoje, em muitos casos, alguns gestores, tratam os servidores, notadamente os Praças, tal qual tratavam no século passado, com desdém, com falta de respeito, como se estes fossem meros serviçais, seres acéfalos, não detentores de direitos, de personalidade, de hombridade e em alguns casos como se estes nem humanos fossem.
A lógica autoritária, balizada pela imposição pura e simples, não se coaduna mais com o homem do século XXI, notadamente em uma profissão que exige do profissional o respeito aos direitos humanos, a dignidade, entre outras características do Estado democrático de Direito.
Outra característica peculiar da profissão ao qual “abraçamos” diz respeito ao contato com o público. Tal contato permite ao policial uma averiguação “in loco” do desenvolvimento sócio-cultural ocorrido e neste momento, percebe o profissional quão diferente, quão evoluído encontra-se o destinatário de se trabalho, sendo que, no entanto, ele, profissional não sente em seu dia-a-dia, no seu local de trabalho, parte desta transformação e é tolhido, muitas vezes de forma autoritária que participe do processo evolutivo humano e social.
Por certo, a situação descrita acima influencia sobremaneira o viver em família, em sociedade e a vida profissional do trabalhador, ocasionando uma desvalorização enquanto cidadão detentor de direitos, e enquanto ser humano, levando sua alto estima ao nível mais baixo a que um ser humano pode chegar, visto que as reiteradas humilhações, centradas desrespeito por parte de alguns, ocasiona um desestímulo profissional e pessoal, redundando em prejuízos para o Estado e para a sociedade.
A QUESTÃO SALARIAL
Por certo esta questão é um dos grandes ocasionadores de problemas para o profissional de segurança pública. Ressalte-se que o texto tem como foco de avaliação os Praças das instituições militares, pois a outra categoria que compõe as instituições militares, não sofre com o objeto da matéria jornalística em questão, ou seja, com poucas ou nenhum exceção, o Oficiais das referidas instituições não são passíveis de nenhum dos problemas elencados acima e muito do problema em avaliação no momento, qual seja a questão salarial.
Historicamente, o salário dos profissionais de segurança pública sempre esteve aquém da necessidade real do trabalhador ou mesmo da importância da função desempenhada por este. Tal fator deve-se a completa falta de respeito e consideração por este servidor, a despeito de ser este quem arca com as conseqüências da desorganização e das ingerências das autoridades civis, notadamente àquelas em que a sociedade normalmente é excluída das decisões e não raras vezes, vítima do processo de personificação do poder, através de decisões de cunho oligárquico.
Em suma, o administrador, ainda hoje utiliza-se do aparato estatal (policiais militares), como forma de manter uma aparente “serenidade” social, uma aparente “ordem pública”, sendo que em uma análise invertida do viés de desorganização e ou suposto descontrole social, em muitos casos o próprio administrador público é o gestor e insuflador de tais desmandos, seja por incompetência ou mesmo por má fé.
Além da desvalorização salarial, capitaneada pelo administrador civil, outro fator de extrema relevância e que talvez seja um dos motivos de maior decepção do trabalhador da base das instituições militares é ver seus superiores se refestelarem com polpudos reajustes, concedidos de forma direta o indireta, solidificando uma política de discriminação salarial e exclusão interna, alicerçada em uma ideologia separatista, divisionista, dotada de pré-conceitos, inclusive de classe, haja visto que muitos de nossos gestores não se contentam apenas com a superioridade alicerçada na hierarquia funcional, necessitando também mostrar uma superioridade salarial como forma de, de fato mostrar que o trabalhador da base se sinta inferior, não só do ponto de vista hierárquico, mas também como classe social.
Em resumo, ao aceitar reajustes com diferenciação tão gritante e ainda se utilizar dos regulamentos autoritários como forma de calar aqueles que vislumbram uma condição de vida mais digna, nossos gestores (naturalmente que temos exceções) criam as condições perfeitas para o stress pessoal e profissional, além de um completo descrédito no sistema que deveria ser alicerçado por companheirismo e camaradagem.
Perdeu-se a lógica e razão, pois aqueles que deveriam zelar, nos representar e lutar por condições salariais dignas e justas para todos os integrantes das corporações, simplesmente “esqueceram” de seus subordinados hierarquicamente, defendendo apenas seus interesse, auxiliados pela aproximação natural com as autoridades civis e aproveitando-se de tal aproximação para vislumbrarem uma condição salarial apenas para si, em detrimento do conjunto.
Eis mais um motivo do auto número de profissionais se afastarem do trabalho, procurando um auxilio.
De forma um tanto quanto sintética procurou-se explicitar o conjunto de fatores que em épocas passadas já foram motivos de desestabilidade emocional de servidores da base das instituições militares e que no momento se agravam em função do abandono a que estão submetidos estes profissionais, seja abandono por parte do Estado ou mesmo por parte daqueles que em tese deveriam propiciar as condições adequadas para que estes pudessem fazer seu trabalho com a qualidade e o profissionalismo que a sociedade exige e merece.
Naturalmente que para alguns, o texto parece longo, no entanto, acaso algum estudioso queira de fato ouvir o clamor de uma massa de trabalhadores esquecida e resolva realizar uma pesquisa de forma individual, com entrevistas e depoimentos, verificando in loco a situação destes servidores, sem dúvida obteria histórias e material suficientes para escrever um livro.
Para finalizar e como forma tentar mudar esta realidade dos profissionais militares estaduais da base, cabe um pedido a todos aqueles que de fato se preocupam com a segurança pública e, por conseguinte, com a sua segurança, qual seja, auxiliem a mudar esta lógica egoísta, separatista, excludente, pois existem múltiplas formas de violência contra estes profissionais e como bem afirmou a matéria do referido jornal, bem como a matéria de uma revista de circulação nacional em 08/11/2009, NOSSOS POLICIAIS ESTÃO SOFRENDO - http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI103493-15223,00.html.
A questão a se refletir com seriedade é que as conseqüências deste sofrimento não são somente daqueles que estão sofrendo, mas sim de toda a sociedade.
"Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la." Voltaire
LOTIN
- Elisandro Lotin /elisandrolotinsouza@yahoo.com.br/ @Lotin_Aprasc
- Joinville, Santa Catarina, Brazil
- "Existo, logo penso". Friedrich Nietzsche
27 de mai. de 2010
26 de mai. de 2010
O COMPORTAMENTO IMPLÍCITO E INCONSCIENTE EFETIVADO NA FORMAÇÃO PM
A formação PM II - TC Maroja
Alcebiades Maroja • Belém (PA
O COMPORTAMENTO IMPLÍCITO E INCONSCIENTE EFETIVADO NA FORMAÇÃO PM
Este estudo foi publicado na pós graduação efetuada na UFES _ES
A forma de tratamento dispensado aos futuros oficiais militares parece que denuncia a base de uma má formação acadêmica e posteriormente profissional. Podemos constatar, baseados nos resultados acima, que 70% dos alunos estão insatisfeitos com o modo de crítica existentes nos quartéis e outras instâncias interligadas. Para que possamos compreender mais claramente as formas de insatisfação dos alunos, poderemos, então, comparar esse resultado com algumas frases respondidas pelos alunos. Mais de 15% dos alunos citaram a seguinte frase: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A seguir, temos: “Aluno é bicho, imagem do cão, monstro, louco, maluco!”. De forma mais marcante, outros alunos repetiram que: “Você não é pago para pensar, e sim para executar.”
Após esses exemplos não nos restam dúvidas no que diz respeito ao caráter ultrapassado, repetido e autoritário que dominam ainda hoje os centros de formação militares. Apenas para concretizarmos o nosso pensamento, encerramos essa primeira discussão com a seguinte frase citada: “... é bom porque é ruim. Se fosse pior, seria melhor. (...) Nada é tão ruim que não possa piorar...” Talvez nos resta uma pergunta: Será que o militar, que também passou pela mesma formação, é capaz de determinar com certidão o que é bom e para quem é bom? Ou ainda: Será que o caráter negativo da formação é tão eficaz a ponto de transformar ‘bichos e loucos’ em militares e oficiais ‘melhores’?
Partindo para o segundo questionamento observamos que a alienação dos alunos (e futuros profissionais) já é claramente visível. Enquanto que na primeira pergunta a insatisfação predomina, notamos que quando sintetizamos a ausência pressentida de direito numa única frase, a situação se modifica. Partindo para uma análise mais apurada, aliada às explicações anteriores à aplicação dos questionários, percebemos que a maioria dos alunos (64%) acha que ainda podem reivindicar os seus direitos enquanto militares. No entanto se formos conferir algumas frases que se relacionam com esse aspecto salientado, encontraremos justamente o oposto: “O soldado não tem direitos, apenas deveres”. Se acharmos que essa citação é direta demais, poderemos nos satisfazer com outra — “Ouvir e obedecer”.
Trazendo o debate para o plano social, o questionamento sobre o tratamento diferenciado destinado aos militares, em relação à sociedade civil, parece que, inevitavelmente, acarreta deturpações no plano mental de muitos desses profissionais militares na medida em que a ausência de direitos implica em torná-lo inferior àquele pelo qual esse mesmo profissional busca proteger e defender os seus direitos básicos. De igual forma o respeito aos direitos dos cidadãos – que, desse modo tornam-se alheios a ele – parece não ter mais sentido. Se não possuem direitos, como conceder direitos a outrem. Ou então, podem não mais acreditar nos “direitos humanos”, haja vista esses direitos não se apresentarem a eles enquanto cidadãos.
Uma observação interessante pode ser apreendida quando comparamos a média geral com a média da primeira turma de formação de oficiais (CFO I). Uma análise que pode ser feita é de que a manipulação mental ainda não foi efetivada nos alunos que acabaram de entrar nesses centros de formação. Nota-se que 90% dos alunos responderam positivamente à pergunta, confirmando a alienação dos direitos que deveriam ser assistidos aos militares. Esse mesmo resultado pode ser observado na turma seguinte CFO II.
As duas perguntas seguintes, além de contradizerem-se entre si, fortificam a nossa análise anterior. Notavelmente 62% dos alunos manifestam tranqüilamente opiniões nas salas de aula e/ou nos quartéis. No entanto essa democracia parece desconfigurar-se com as respostas seguintes. Quando indagamos sobre a aceitação dessas opiniões, obtivemos um resultado constrangedor. 50% das vezes em que tal fenômeno ocorre, o aluno é exposto a uma nova e mais eficiente forma de explicação. Em outras palavras, é de se estranhar que um aluno que opina sobre alguma questão tenha que engolir uma outra explicação em lugar da sua idéia ao invés de debater e discutir. De outro modo a ridicularização e a repreensão são também grandemente presenciados com o peso de, 24% e 18%, respectivamente.
Torna-se, então, desnecessário que haja uma falsa liberdade nos quartéis e centros de formações na medida em que, em muitos casos, essa liberdade transforma-se em causas de humilhação e comprovação de um sistema autoritário e estático. Ilustrando a idéia: “Aluno, nada mudou (...) Para que mudar?”.
Para finalizar a questão objetiva que encerra a pesquisa, denota-se um aspecto degradante do sistema. 90% dos alunos já presenciaram a humilhação — física e moral — de seus colegas. Nas primeiras turmas o resultado é ainda mais assustador: 100% dos alunos pesquisados foram premiados com essa situação. Por outro lado, como a formação dada aos alunos do primeiro foi idêntica ao do terceiro, e o resultado da pesquisa aponta que 30% dos alunos não presenciaram fatos dessa natureza, então, podemos concluir que humilhação física ou moral para o terceiro ano é diferente da visão apresentada aos demais, ou pior, essa situação apresentada pode já não ser considerada humilhação. Por ter-se tornado fato corriqueiro, passou a ser situação normal. No entanto, parece que os autores desses atos possuem uma plausível explicação. Segundo algumas respostas, dentre as frases mais repetidas pelos superiores, uma merece destaque: “Quanto mais difícil o tempo na escola, menos dificuldade teremos na rua”.
Para confirmarmos nossa análise, submetemos a avaliação nossa, à outra, de um profissional qualificado, Professor Lídio de Souza, que é Coordenador do programa de Pós-Graduação em psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, e ele acrescenta ainda:
“Mesmo aqueles policiais (em treinamento) que possuem um conjunto de valores de respeito aos direitos e uma visão crítica do conteúdo transmitido, dificilmente escapam incólumes do sistema de punições e humilhações presentes no treinamento. Podem não assumir completamente o ideário da instituição mas se vêem forçados a agir de acordo com ele, por causa das pressões dos superiores e até de colegas de trabalho. Isso pode colaborar para a criação de sérios conflitos (intra e interpessoais) que podem comprometer a saúde mental destes policiais.” (SOUZA, Lídio. Possibilidades de interferência do tipo de formação profissional nas relações que estabelece com a comunidade. Entrevista concedida a Alcebíades Maroja e Cláudio Cunha, Vitória, 16 nov. 1999).
Mas como iniciarmos as mudanças nas relações interpessoais da Polícia Militar e mudarmos o quadro apresentado? Uma das alternativas seria a integração, trabalhada desde os Centros de Formação
Fonte: http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-formacao-pm-ii-tc-maroja
Alcebiades Maroja • Belém (PA
O COMPORTAMENTO IMPLÍCITO E INCONSCIENTE EFETIVADO NA FORMAÇÃO PM
Este estudo foi publicado na pós graduação efetuada na UFES _ES
A forma de tratamento dispensado aos futuros oficiais militares parece que denuncia a base de uma má formação acadêmica e posteriormente profissional. Podemos constatar, baseados nos resultados acima, que 70% dos alunos estão insatisfeitos com o modo de crítica existentes nos quartéis e outras instâncias interligadas. Para que possamos compreender mais claramente as formas de insatisfação dos alunos, poderemos, então, comparar esse resultado com algumas frases respondidas pelos alunos. Mais de 15% dos alunos citaram a seguinte frase: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A seguir, temos: “Aluno é bicho, imagem do cão, monstro, louco, maluco!”. De forma mais marcante, outros alunos repetiram que: “Você não é pago para pensar, e sim para executar.”
Após esses exemplos não nos restam dúvidas no que diz respeito ao caráter ultrapassado, repetido e autoritário que dominam ainda hoje os centros de formação militares. Apenas para concretizarmos o nosso pensamento, encerramos essa primeira discussão com a seguinte frase citada: “... é bom porque é ruim. Se fosse pior, seria melhor. (...) Nada é tão ruim que não possa piorar...” Talvez nos resta uma pergunta: Será que o militar, que também passou pela mesma formação, é capaz de determinar com certidão o que é bom e para quem é bom? Ou ainda: Será que o caráter negativo da formação é tão eficaz a ponto de transformar ‘bichos e loucos’ em militares e oficiais ‘melhores’?
Partindo para o segundo questionamento observamos que a alienação dos alunos (e futuros profissionais) já é claramente visível. Enquanto que na primeira pergunta a insatisfação predomina, notamos que quando sintetizamos a ausência pressentida de direito numa única frase, a situação se modifica. Partindo para uma análise mais apurada, aliada às explicações anteriores à aplicação dos questionários, percebemos que a maioria dos alunos (64%) acha que ainda podem reivindicar os seus direitos enquanto militares. No entanto se formos conferir algumas frases que se relacionam com esse aspecto salientado, encontraremos justamente o oposto: “O soldado não tem direitos, apenas deveres”. Se acharmos que essa citação é direta demais, poderemos nos satisfazer com outra — “Ouvir e obedecer”.
Trazendo o debate para o plano social, o questionamento sobre o tratamento diferenciado destinado aos militares, em relação à sociedade civil, parece que, inevitavelmente, acarreta deturpações no plano mental de muitos desses profissionais militares na medida em que a ausência de direitos implica em torná-lo inferior àquele pelo qual esse mesmo profissional busca proteger e defender os seus direitos básicos. De igual forma o respeito aos direitos dos cidadãos – que, desse modo tornam-se alheios a ele – parece não ter mais sentido. Se não possuem direitos, como conceder direitos a outrem. Ou então, podem não mais acreditar nos “direitos humanos”, haja vista esses direitos não se apresentarem a eles enquanto cidadãos.
Uma observação interessante pode ser apreendida quando comparamos a média geral com a média da primeira turma de formação de oficiais (CFO I). Uma análise que pode ser feita é de que a manipulação mental ainda não foi efetivada nos alunos que acabaram de entrar nesses centros de formação. Nota-se que 90% dos alunos responderam positivamente à pergunta, confirmando a alienação dos direitos que deveriam ser assistidos aos militares. Esse mesmo resultado pode ser observado na turma seguinte CFO II.
As duas perguntas seguintes, além de contradizerem-se entre si, fortificam a nossa análise anterior. Notavelmente 62% dos alunos manifestam tranqüilamente opiniões nas salas de aula e/ou nos quartéis. No entanto essa democracia parece desconfigurar-se com as respostas seguintes. Quando indagamos sobre a aceitação dessas opiniões, obtivemos um resultado constrangedor. 50% das vezes em que tal fenômeno ocorre, o aluno é exposto a uma nova e mais eficiente forma de explicação. Em outras palavras, é de se estranhar que um aluno que opina sobre alguma questão tenha que engolir uma outra explicação em lugar da sua idéia ao invés de debater e discutir. De outro modo a ridicularização e a repreensão são também grandemente presenciados com o peso de, 24% e 18%, respectivamente.
Torna-se, então, desnecessário que haja uma falsa liberdade nos quartéis e centros de formações na medida em que, em muitos casos, essa liberdade transforma-se em causas de humilhação e comprovação de um sistema autoritário e estático. Ilustrando a idéia: “Aluno, nada mudou (...) Para que mudar?”.
Para finalizar a questão objetiva que encerra a pesquisa, denota-se um aspecto degradante do sistema. 90% dos alunos já presenciaram a humilhação — física e moral — de seus colegas. Nas primeiras turmas o resultado é ainda mais assustador: 100% dos alunos pesquisados foram premiados com essa situação. Por outro lado, como a formação dada aos alunos do primeiro foi idêntica ao do terceiro, e o resultado da pesquisa aponta que 30% dos alunos não presenciaram fatos dessa natureza, então, podemos concluir que humilhação física ou moral para o terceiro ano é diferente da visão apresentada aos demais, ou pior, essa situação apresentada pode já não ser considerada humilhação. Por ter-se tornado fato corriqueiro, passou a ser situação normal. No entanto, parece que os autores desses atos possuem uma plausível explicação. Segundo algumas respostas, dentre as frases mais repetidas pelos superiores, uma merece destaque: “Quanto mais difícil o tempo na escola, menos dificuldade teremos na rua”.
Para confirmarmos nossa análise, submetemos a avaliação nossa, à outra, de um profissional qualificado, Professor Lídio de Souza, que é Coordenador do programa de Pós-Graduação em psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, e ele acrescenta ainda:
“Mesmo aqueles policiais (em treinamento) que possuem um conjunto de valores de respeito aos direitos e uma visão crítica do conteúdo transmitido, dificilmente escapam incólumes do sistema de punições e humilhações presentes no treinamento. Podem não assumir completamente o ideário da instituição mas se vêem forçados a agir de acordo com ele, por causa das pressões dos superiores e até de colegas de trabalho. Isso pode colaborar para a criação de sérios conflitos (intra e interpessoais) que podem comprometer a saúde mental destes policiais.” (SOUZA, Lídio. Possibilidades de interferência do tipo de formação profissional nas relações que estabelece com a comunidade. Entrevista concedida a Alcebíades Maroja e Cláudio Cunha, Vitória, 16 nov. 1999).
Mas como iniciarmos as mudanças nas relações interpessoais da Polícia Militar e mudarmos o quadro apresentado? Uma das alternativas seria a integração, trabalhada desde os Centros de Formação
Fonte: http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-formacao-pm-ii-tc-maroja
23 de mai. de 2010
SICKO - UMA VISÃO DO MUNDO TENDO COMO BASE A SAÚDE
Amigos, segue um documentário acerca da saúde, mas que, no entanto serve para vislumbrar o porquê estamos em um processo de degradação e abandono, não só na saúde, como também na educação e na segurança pública. Vale a pena tirar um tempinho para ver.
http://www.youtube.com/watch?v=esPe0EOr6Oc
http://www.youtube.com/watch?v=t4fEMotAuCI
http://www.youtube.com/watch?v=MAFmcujWwjo&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=SDo7qMiKGHM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=On7ZH1j78AU&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=X_xRRpqUGeY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=tfzouuosQnY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=EBOyaPBM92Q
http://www.youtube.com/watch?v=3cWN9jDNwco&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=4LGY9H3wwrc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Hq05uvl2A6U&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=n3m85OO-eRI&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=b_Qrva9HqdM&feature=related
Sei que é um pouco trabalhoso, mas garanto a vocês que após ver este documentário uma nova perspectiva de mundo se abrirá a todos, ou seja, sua visão das coisas pode mudar.
Peço que “ tragam” o teor do documentário para a realidade brasileira e catarinense.
http://www.youtube.com/watch?v=esPe0EOr6Oc
http://www.youtube.com/watch?v=t4fEMotAuCI
http://www.youtube.com/watch?v=MAFmcujWwjo&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=SDo7qMiKGHM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=On7ZH1j78AU&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=X_xRRpqUGeY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=tfzouuosQnY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=EBOyaPBM92Q
http://www.youtube.com/watch?v=3cWN9jDNwco&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=4LGY9H3wwrc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Hq05uvl2A6U&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=n3m85OO-eRI&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=b_Qrva9HqdM&feature=related
Sei que é um pouco trabalhoso, mas garanto a vocês que após ver este documentário uma nova perspectiva de mundo se abrirá a todos, ou seja, sua visão das coisas pode mudar.
Peço que “ tragam” o teor do documentário para a realidade brasileira e catarinense.
Momento - Textos que valem a pena ler para refletir
As vezes, quando estamos sem tempo ou mesmo sem idéias, em função das preocupações do dia-a-dia, devemos optar por ler e aprender e é isso que procuro fazer, então segue um texto que acho que vale apena ler.
Velhos expedientes, novos interesses
Como o Brasil prende-se ao patrimonalismo, currais eleitorais e autoritarismo cego quando o tema é política
08 de agosto de 2009 | 18h 51
Christian Carvalho Cruz, de O Estado de S. Paulo
Na última semana os brasileiros puderam sentir uma incômoda sensação de déjà vu. Era o senador e ex-presidente Fernando Collor, arfante e com olhos projetados, berrando frases destemperadas a um adversário político. Era o presidente do Senado, José Sarney, acusado de cometer atos secretamente ilícitos, defendendo-se em plenário e invocando até a sua generosidade como avô. Eram os senadores Tasso Jereissati e Renan Calheiros, ao melhor estilo "faroeste caboclo", acusando-se mutuamente de coronel, cangaceiro, dedo sujo e m.... Era a volta da famigerada tropa de choque, essa instituição nacional sempre convocada para salvar congressistas em graves apuros. Há quanto tempo o País assiste a coisas assim? E por quanto tempo terá de conviver com o patético de espetáculos dessa natureza? Afinal, por que a política nacional não consegue se livrar do eterno retorno de seus próprios arcaísmos?
É como um círculo do inferno de Dante, diz o cientista político Carlos Melo, professor de Sociologia e Política do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, de São Paulo. "A sociedade que se modernizou na economia, nas relações humanas, na tecnologia e nas comunicações não modernizou seus personagens políticos. Estes, por sua vez, não têm interesse de modernizar a política da qual se beneficiam", explica Melo. "Além disso, o bom momento econômico contribuiu para nos aprisionar num conformismo pragmático e num moralismo farisaico. Estamos satisfeitos, isso nos basta." Autor de Collor, o Ator e suas Circunstâncias (Editora Novo Conceito, 2007), em que analisa a ascensão e a queda do ex-presidente, defende que só uma difícil - mas não impossível - revolução de valores pode tirar a política brasileira da mesmice responsável pela reprodução de seus vícios.
Por que não conseguimos nos livrar desses ‘eternos retornos’ - fisiologismos, tropas de choque, acordões, manipulações, dossiês?
A sociedade brasileira se modernizou do ponto de vista econômico, humano, tecnológico, nas comunicações, mas não avançou politicamente. E a política não consegue renovar seus métodos porque não renova seus personagens. Se olharmos o cenário sugerido para a eleição presidencial de 2010, a rigor, não temos nada de novo. Dilma Rousseff foi de uma organização de esquerda na década de 60. José Serra foi presidente da UNE em 1964. Aécio Neves é neto de Tancredo. Qual a renovação aí? Além disso, é repetitivo dizer, mas é a pura verdade, temos um problema de sistema eleitoral e de representação. O voto no Brasil ainda é baseado em currais. Quando um deputado diz que está se lixando para a opinião pública é porque ele não depende mesmo da opinião pública, dos leitores de jornais, da sociedade política. Ele depende da ponte que, na relação com o Executivo, conseguiu mandar fazer naquela pequena cidade em troca de alguns votos, depende da relação com o prefeito, com os apadrinhados que ele emprega e lhe pagam agindo como cabos eleitorais. Esses são mecanismos muito enraizados, inclusive porque o eleitor prefere manter esse tipo de relação despolitizada com a política. É uma relação que não passa pela cidadania, mas pelo interesse pessoal. De novo, qual a renovação aí? O resultado é que, diante de tanta mesmice, parte da sociedade prefere se retirar a participar, começa a achar que política é coisa para malandro. Não é. Mas, quando se acredita nisso, a malandragem agradece.
Veja o bate-boca de quinta-feira entre Tasso Jereissati (PSDB) e Renan Calheiros (PMDB). Até os termos usados de lado a lado, "coronel" e "cangaceiro", reforçam o nosso arcaísmo político. Como encaminhar votações importantes, formular alternativas e construir políticas nesse contexto? Impossível. Que trégua estabelecer quando os dois que se engalfinham são justamente as duas maiores lideranças dos partidos a que pertencem? Quem acima deles pode estabelecer a paz? Depois reclamam das interferências do Poder Executivo... Por mais paradoxal que pareça, esse bate-boca é a expressão da despolitização da política, do abandono da grande política, do Senado - lugar de sêniores - reduzido a uma espécie de assembleia sindical, a uma imitação barata das plenárias do movimento estudantil. Quer exemplo mais claro do arcaísmo brasileiro do que Sarney dizer que não conhece seu afilhado de casamento? É provável que não conheça mesmo. Quantos coronéis são convidados a batizar os filhos dos seus empregados e nunca se dão conta do nome da criança?
Como o senhor avalia outra velha ‘instituição’ do Congresso, a tropa de choque, que sempre aparece quando alguém está na berlinda?
Quando faltam argumentos e articulação política, as maiorias acabam se impondo pela força de uma tropa fiel a seus líderes e aos interesses que representam e defendem. Há normalmente um grande grau de truculência, porque, afinal de contas, é a política por meio da força e não da negociação. De tempos em tempos essas tropas de choque, truculentas e impositivas, surgem na política brasileira. Essa que hoje está ao lado do Sarney tem como objetivo defendê-lo, pelos métodos que forem necessários, no espírito do "bateu-levou", como dizia um porta-voz de Collor.
Não deveria surpreender, porque a lógica de agrupamentos desse tipo não passa por relações pessoais ou ressentimentos do passado, mas por interesses muito objetivos e pelo pragmatismo do presente. Esses batalhões são compostos por conveniências absolutamente voláteis. Falando de Collor especificamente, é provável que a sociedade moderna veja o ressurgimento dele como a reedição de um passado que já deveria ter sido superado pela democracia. O velho estilo não assusta mais, apenas irrita, aborrece e denuncia o anacronismo da política em relação à sociedade e à economia, que tanto se transformaram do governo Collor para cá. Ainda assim, é possível que ele encontre ressonância nos segmentos mais despolitizados, atrasados, de índole autoritária, nos eleitores dos currais ainda apegados à nossa tradição patriarcal. O mais triste, porém, é que tudo isso contribui para esse sentimento generalizado de renúncia à política. A confusão ajuda a disseminar a avaliação cínica segundo a qual tudo é permitido, porque afinal "política é assim mesmo".
Foi só a mesmice na política que levou a sociedade brasileira a esse conformismo?
Não. Há também um movimento maior, global, de fim de utopias, de partidos de esquerda, a queda do Muro de Berlim... Filosoficamente, passou-se a acreditar que a economia poderia garantir tudo. É triste dizer, mas o bom momento econômico é péssimo conselheiro. Ele releva os problemas, desmobiliza. Neste momento vivemos uma crise da qualidade da política no Brasil, mas como a economia vai mais ou menos bem, tapam-se os olhos e o nariz e deixa-se como está. É um erro tremendo, porque se a política estivesse bem ela potencializaria a economia. Mas chegamos ao suficientemente bom e paramos. Nós pensamos: "Poderia ser melhor, mas estamos satisfeitos assim". Não há pressão pelo ótimo, não temos instituições ou lideranças interessadas em apontar o caminho da mudança. Ficamos só amaldiçoando o escuro, e a vela ninguém quer acender. É preciso que a sociedade que se indigna comece a encontrar alternativa. Será que precisaremos chegar à antessala de um desastre econômico para mudar? É uma pergunta que faço para a sociedade e para o mercado.
Como o sr. avalia o desempenho da oposição na crise do Senado?
O Sarney não é santo, mas quem pode jogar pedra? O Arthur Virgílio tentou e a pedra voltou na testa dele. A oposição está perdida. Não tem programa, não tem discurso, não tem postura. O PSDB critica o governo federal, mas passa por um problema sério com a governadora Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Faz só críticas moralistas. Devia era pegar as bandeiras das reformas política e eleitoral e se bater por isso.
Qual deve ser o caminho da mudança, então?
Primeiro, precisamos mudar nossos valores sociais e humanos. Não podemos nos eximir de nossa responsabilidade de cidadãos. Sabe quando você está na estrada e o carro que vem no sentido contrário pisca o farol para avisar que tem polícia mais adiante? Ele está dizendo para você ir devagar até burlar o policial e que depois pode correr de novo. É a esperteza. Ouço muito as pessoas indignadas dizendo: "Que exemplo eu vou dar para o meu filho se esses políticos fazem isso e aquilo?" Eu digo: "Esqueça os políticos. O exemplo para seu filho é você". Então, é preciso haver uma reforma do indivíduo. Mas ela é mais complicada e, portanto, sou cético. A sociedade moderna tem trazido cada vez mais individualismo e mesquinhez. O que isso tem a ver com política? Tudo. Não devemos achar que política é só o Sarney arrumando emprego para o namorado da neta. A política, na verdade, começa quando você não tenta enganar o guarda. É claro que o exemplo que o Sarney e outros políticos dão à sociedade é o da esperteza, do levar vantagem. Mas nós aderimos ao Sarney ou combatemos o Sarney? Essa é a questão.
Lula tinha duas más escolhas a fazer: abandonar Sarney e se livrar de um desgaste de imagem, ou abraçar Sarney e manter o PMDB como aliado num momento de CPI da Petrobrás no Senado e de eleições presidenciais na qual ele tentará eleger uma candidata pouco conhecida. Entre enfrentar o custo de perder a máquina peemedebista e suas mil e tantas prefeituras e perder popularidade, o presidente fez a escolha correta do ponto de vista político. Até porque quem está indignado com o apoio de Lula a Sarney são aqueles que já antipatizam com ele. Dizem que é impossível governar sem o PMDB. Eu digo que também é impossível governar com o PMDB. Agora, um presidente com 80% de aprovação popular poderia se envolver mais com as mudanças que o País necessita. No jogo político que está aí é até compreensível que se faça uma aliança ruim para poder governar. Mas não dava para negociar mais caro? Fazer a aliança e ao mesmo tempo arrancar as mudanças? Não precisava entregar de mão beijada. Estamos numa armadilha: precisamos de reformas, mas quem pode fazer é quem se beneficia dos problemas. E eu não vejo no horizonte eleitoral alguém capaz de apresentar novos valores, novas propostas.
O sr. parece bem pessimista.
Sou cético. A história da humanidade mostra que é possível evoluir. Nós já fomos piores do que somos hoje. Mas esse conformismo cínico e pragmático e esse moralismo farisaico me incomodam. O que vemos hoje no Senado é efeito dessa forma de olhar para a política. O Senado era o topo da carreira de um político, ali se discutia em alto nível. Não é mais assim. Tiramos o Sarney de lá e colocamos quem, para promover as transformações que precisamos? Não se trata de derrubar governo. Mas se existisse uma sociedade política, se ela começasse a discutir o País com mais profundidade e começasse a levar isso para fora, poderia dar certo. Enquanto nos Estados Unidos a sociedade disse "Yes, we can!", aqui falaram "Cansei!". Com uma frase vazia o Obama despertou a América moderna contra a América arcaica. Nós temos que encarar esse desafio. Mas, por enquanto, dado o jogo político possível em nossa jovem democracia, vamos conciliando o moderno com o arcaico. Patinamos, não saímos do lugar.
Colaborou Bruna Rodrigues
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,velhos-expedientes-novos-interesses,415709,0.htm
Velhos expedientes, novos interesses
Como o Brasil prende-se ao patrimonalismo, currais eleitorais e autoritarismo cego quando o tema é política
08 de agosto de 2009 | 18h 51
Christian Carvalho Cruz, de O Estado de S. Paulo
Na última semana os brasileiros puderam sentir uma incômoda sensação de déjà vu. Era o senador e ex-presidente Fernando Collor, arfante e com olhos projetados, berrando frases destemperadas a um adversário político. Era o presidente do Senado, José Sarney, acusado de cometer atos secretamente ilícitos, defendendo-se em plenário e invocando até a sua generosidade como avô. Eram os senadores Tasso Jereissati e Renan Calheiros, ao melhor estilo "faroeste caboclo", acusando-se mutuamente de coronel, cangaceiro, dedo sujo e m.... Era a volta da famigerada tropa de choque, essa instituição nacional sempre convocada para salvar congressistas em graves apuros. Há quanto tempo o País assiste a coisas assim? E por quanto tempo terá de conviver com o patético de espetáculos dessa natureza? Afinal, por que a política nacional não consegue se livrar do eterno retorno de seus próprios arcaísmos?
É como um círculo do inferno de Dante, diz o cientista político Carlos Melo, professor de Sociologia e Política do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, de São Paulo. "A sociedade que se modernizou na economia, nas relações humanas, na tecnologia e nas comunicações não modernizou seus personagens políticos. Estes, por sua vez, não têm interesse de modernizar a política da qual se beneficiam", explica Melo. "Além disso, o bom momento econômico contribuiu para nos aprisionar num conformismo pragmático e num moralismo farisaico. Estamos satisfeitos, isso nos basta." Autor de Collor, o Ator e suas Circunstâncias (Editora Novo Conceito, 2007), em que analisa a ascensão e a queda do ex-presidente, defende que só uma difícil - mas não impossível - revolução de valores pode tirar a política brasileira da mesmice responsável pela reprodução de seus vícios.
Por que não conseguimos nos livrar desses ‘eternos retornos’ - fisiologismos, tropas de choque, acordões, manipulações, dossiês?
A sociedade brasileira se modernizou do ponto de vista econômico, humano, tecnológico, nas comunicações, mas não avançou politicamente. E a política não consegue renovar seus métodos porque não renova seus personagens. Se olharmos o cenário sugerido para a eleição presidencial de 2010, a rigor, não temos nada de novo. Dilma Rousseff foi de uma organização de esquerda na década de 60. José Serra foi presidente da UNE em 1964. Aécio Neves é neto de Tancredo. Qual a renovação aí? Além disso, é repetitivo dizer, mas é a pura verdade, temos um problema de sistema eleitoral e de representação. O voto no Brasil ainda é baseado em currais. Quando um deputado diz que está se lixando para a opinião pública é porque ele não depende mesmo da opinião pública, dos leitores de jornais, da sociedade política. Ele depende da ponte que, na relação com o Executivo, conseguiu mandar fazer naquela pequena cidade em troca de alguns votos, depende da relação com o prefeito, com os apadrinhados que ele emprega e lhe pagam agindo como cabos eleitorais. Esses são mecanismos muito enraizados, inclusive porque o eleitor prefere manter esse tipo de relação despolitizada com a política. É uma relação que não passa pela cidadania, mas pelo interesse pessoal. De novo, qual a renovação aí? O resultado é que, diante de tanta mesmice, parte da sociedade prefere se retirar a participar, começa a achar que política é coisa para malandro. Não é. Mas, quando se acredita nisso, a malandragem agradece.
Veja o bate-boca de quinta-feira entre Tasso Jereissati (PSDB) e Renan Calheiros (PMDB). Até os termos usados de lado a lado, "coronel" e "cangaceiro", reforçam o nosso arcaísmo político. Como encaminhar votações importantes, formular alternativas e construir políticas nesse contexto? Impossível. Que trégua estabelecer quando os dois que se engalfinham são justamente as duas maiores lideranças dos partidos a que pertencem? Quem acima deles pode estabelecer a paz? Depois reclamam das interferências do Poder Executivo... Por mais paradoxal que pareça, esse bate-boca é a expressão da despolitização da política, do abandono da grande política, do Senado - lugar de sêniores - reduzido a uma espécie de assembleia sindical, a uma imitação barata das plenárias do movimento estudantil. Quer exemplo mais claro do arcaísmo brasileiro do que Sarney dizer que não conhece seu afilhado de casamento? É provável que não conheça mesmo. Quantos coronéis são convidados a batizar os filhos dos seus empregados e nunca se dão conta do nome da criança?
Como o senhor avalia outra velha ‘instituição’ do Congresso, a tropa de choque, que sempre aparece quando alguém está na berlinda?
Quando faltam argumentos e articulação política, as maiorias acabam se impondo pela força de uma tropa fiel a seus líderes e aos interesses que representam e defendem. Há normalmente um grande grau de truculência, porque, afinal de contas, é a política por meio da força e não da negociação. De tempos em tempos essas tropas de choque, truculentas e impositivas, surgem na política brasileira. Essa que hoje está ao lado do Sarney tem como objetivo defendê-lo, pelos métodos que forem necessários, no espírito do "bateu-levou", como dizia um porta-voz de Collor.
Não deveria surpreender, porque a lógica de agrupamentos desse tipo não passa por relações pessoais ou ressentimentos do passado, mas por interesses muito objetivos e pelo pragmatismo do presente. Esses batalhões são compostos por conveniências absolutamente voláteis. Falando de Collor especificamente, é provável que a sociedade moderna veja o ressurgimento dele como a reedição de um passado que já deveria ter sido superado pela democracia. O velho estilo não assusta mais, apenas irrita, aborrece e denuncia o anacronismo da política em relação à sociedade e à economia, que tanto se transformaram do governo Collor para cá. Ainda assim, é possível que ele encontre ressonância nos segmentos mais despolitizados, atrasados, de índole autoritária, nos eleitores dos currais ainda apegados à nossa tradição patriarcal. O mais triste, porém, é que tudo isso contribui para esse sentimento generalizado de renúncia à política. A confusão ajuda a disseminar a avaliação cínica segundo a qual tudo é permitido, porque afinal "política é assim mesmo".
Foi só a mesmice na política que levou a sociedade brasileira a esse conformismo?
Não. Há também um movimento maior, global, de fim de utopias, de partidos de esquerda, a queda do Muro de Berlim... Filosoficamente, passou-se a acreditar que a economia poderia garantir tudo. É triste dizer, mas o bom momento econômico é péssimo conselheiro. Ele releva os problemas, desmobiliza. Neste momento vivemos uma crise da qualidade da política no Brasil, mas como a economia vai mais ou menos bem, tapam-se os olhos e o nariz e deixa-se como está. É um erro tremendo, porque se a política estivesse bem ela potencializaria a economia. Mas chegamos ao suficientemente bom e paramos. Nós pensamos: "Poderia ser melhor, mas estamos satisfeitos assim". Não há pressão pelo ótimo, não temos instituições ou lideranças interessadas em apontar o caminho da mudança. Ficamos só amaldiçoando o escuro, e a vela ninguém quer acender. É preciso que a sociedade que se indigna comece a encontrar alternativa. Será que precisaremos chegar à antessala de um desastre econômico para mudar? É uma pergunta que faço para a sociedade e para o mercado.
Como o sr. avalia o desempenho da oposição na crise do Senado?
O Sarney não é santo, mas quem pode jogar pedra? O Arthur Virgílio tentou e a pedra voltou na testa dele. A oposição está perdida. Não tem programa, não tem discurso, não tem postura. O PSDB critica o governo federal, mas passa por um problema sério com a governadora Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Faz só críticas moralistas. Devia era pegar as bandeiras das reformas política e eleitoral e se bater por isso.
Qual deve ser o caminho da mudança, então?
Primeiro, precisamos mudar nossos valores sociais e humanos. Não podemos nos eximir de nossa responsabilidade de cidadãos. Sabe quando você está na estrada e o carro que vem no sentido contrário pisca o farol para avisar que tem polícia mais adiante? Ele está dizendo para você ir devagar até burlar o policial e que depois pode correr de novo. É a esperteza. Ouço muito as pessoas indignadas dizendo: "Que exemplo eu vou dar para o meu filho se esses políticos fazem isso e aquilo?" Eu digo: "Esqueça os políticos. O exemplo para seu filho é você". Então, é preciso haver uma reforma do indivíduo. Mas ela é mais complicada e, portanto, sou cético. A sociedade moderna tem trazido cada vez mais individualismo e mesquinhez. O que isso tem a ver com política? Tudo. Não devemos achar que política é só o Sarney arrumando emprego para o namorado da neta. A política, na verdade, começa quando você não tenta enganar o guarda. É claro que o exemplo que o Sarney e outros políticos dão à sociedade é o da esperteza, do levar vantagem. Mas nós aderimos ao Sarney ou combatemos o Sarney? Essa é a questão.
Lula tinha duas más escolhas a fazer: abandonar Sarney e se livrar de um desgaste de imagem, ou abraçar Sarney e manter o PMDB como aliado num momento de CPI da Petrobrás no Senado e de eleições presidenciais na qual ele tentará eleger uma candidata pouco conhecida. Entre enfrentar o custo de perder a máquina peemedebista e suas mil e tantas prefeituras e perder popularidade, o presidente fez a escolha correta do ponto de vista político. Até porque quem está indignado com o apoio de Lula a Sarney são aqueles que já antipatizam com ele. Dizem que é impossível governar sem o PMDB. Eu digo que também é impossível governar com o PMDB. Agora, um presidente com 80% de aprovação popular poderia se envolver mais com as mudanças que o País necessita. No jogo político que está aí é até compreensível que se faça uma aliança ruim para poder governar. Mas não dava para negociar mais caro? Fazer a aliança e ao mesmo tempo arrancar as mudanças? Não precisava entregar de mão beijada. Estamos numa armadilha: precisamos de reformas, mas quem pode fazer é quem se beneficia dos problemas. E eu não vejo no horizonte eleitoral alguém capaz de apresentar novos valores, novas propostas.
O sr. parece bem pessimista.
Sou cético. A história da humanidade mostra que é possível evoluir. Nós já fomos piores do que somos hoje. Mas esse conformismo cínico e pragmático e esse moralismo farisaico me incomodam. O que vemos hoje no Senado é efeito dessa forma de olhar para a política. O Senado era o topo da carreira de um político, ali se discutia em alto nível. Não é mais assim. Tiramos o Sarney de lá e colocamos quem, para promover as transformações que precisamos? Não se trata de derrubar governo. Mas se existisse uma sociedade política, se ela começasse a discutir o País com mais profundidade e começasse a levar isso para fora, poderia dar certo. Enquanto nos Estados Unidos a sociedade disse "Yes, we can!", aqui falaram "Cansei!". Com uma frase vazia o Obama despertou a América moderna contra a América arcaica. Nós temos que encarar esse desafio. Mas, por enquanto, dado o jogo político possível em nossa jovem democracia, vamos conciliando o moderno com o arcaico. Patinamos, não saímos do lugar.
Colaborou Bruna Rodrigues
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,velhos-expedientes-novos-interesses,415709,0.htm
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