“Quando a APRASC e os Praças defendem a desmilitarização, estes apenas querem dizer que desejam ser ouvidos, que desejam respeito, que querem ser tratados como cidadãos, da mesma maneira que todos neste País”.
Marcos Rolin - Consultor em segurança pública da UNESCO.
As palavras de Marcos Rolin, ditas na abertura da 1º CONSEG – SC, etapa de Joinville, refletem o sentimento de todos os Praças, seus familiares e de toda a sociedade civil organizada. No entanto não é apenas isso que induz os Praças a defenderem tal idéia, apesar de que tal verdade por si só já seja um motivo extremamente relevante, visto que segundo nossa Constituição Federal a dignidade da pessoa humana é direito fundamental.
Quando falamos em desmilitarizar nossas instituições, estamos clamando por um novo modelo de segurança pública em nosso País. Um modelo que privilegie a sociedade e os cidadãos e não apenas alguns abastados.
A segurança pública tem custado muito caro ao povo brasileiro e mais ainda aos policiais, notadamente os da base, pois são estes que mantém o contato com o público e deles ouvem as reclamações sem nada poderem fazer para as modificações que se fazem necessárias. Sabemos as deficiências do sistema, no entanto somos calados pela lógica militarizada de controle, onde impera a obediência cega aos ditames daqueles que se dizem mais capazes, vigora a lógica de que os Praças não pensam, apenas cumprem as ordens de seus superiores, sem discussão, sem ponderação. Em uma sociedade socialmente evoluída e em constante mutação, entendem alguns que o Praça não pode ter uma consciência ativa e ou crítica, pois do contrário não é o militarismo.
No atual modelo de segurança pública, militarizado, a formação dos policiais e bombeiros ainda reflete as doutrinas e mentalidades herdadas do nosso passado autoritário, estando assim em completo descompasso com os ditames do estado democrático de direito, seja no interior dos quartéis ou mesmo nas ruas e imaginar que policiais constantemente humilhados, ridicularizados e ceifados de seus direitos os mais básicos, agirão como defensores da democracia, dos direitos humanos, é no mínimo utópico.
Ao longo da história, e atualmente as Policias Militares agiram e agem muito mais como uma corporação militar do que uma instituição policial urbana e ostensiva. Por diversas oportunidades esta instituição foi utilizada para fins de segurança interna e defesa nacional (Guerra do Paraguai, Guerra do Contestado, manutenção do regime militar, entre tantos outros exemplos) do que para as funções de segurança pública propriamente dita. Isto demonstra claramente a verdadeira finalidade destas instituições, qual seja a manutenção da “ordem pública”, ordem esta que esteja calcada em lógicas de manutenção do poder econômico, das injustiças sociais e dos privilégios e dentro deste contexto o que menos importa é a sociedade quem tem sua voz calada sob argumentos que carecem de definição e debate.
As Policias Militares nasceram em 1809, como organizações paramilitares, subordinadas ao ministério da Guerra Português e sua estrutura burocrática foi, e é idêntica à do Exército Brasileiro, possuindo Estado-Maior, Cadeias de comando, Batalhões, Companhias, pelotões, destacamentos e fardamento. Ainda hoje a estrutura organizacional dos militares estaduais é idêntica às do Exército brasileiro, com círculos de Oficiais (Coronel, Tenente Coronel, Major, Capitão e Tenentes) e círculo de Praças (Subtenente, Sargento, Cabos e Soldados).
O treinamento dos militares reproduz valores militares de disciplina rigorosa que em alguns casos beira o absurdo, com centralização das decisões, estruturas administrativas extravagantes elevado número de cargos de gerenciamento e fundamentalmente com lógicas agressivas contra o “inimigo” comum, qual seja a sociedade. Tal lógica, tem como resultado o desperdício de sua capacidade organizacional e o excessivo distanciamento social e profissional que separa Oficiais de Praças e estes da sociedade, o que sem dúvida prejudica o planejamento de operações policiais eficazes, visto que esta linha de trabalho é sustentado por intensas atividades burocráticas e de baixa prioridade, sustentadas por normas rígidas que destoam da realidade social vigente em detrimento das demandas externas de segurança pública tão discutidas e necessárias no momento e que por um motivo meramente de manutenção do status quo vigente ficam apenas nas discussões teóricas.
Enfim, o tradicionalismo militar, requer um modelo de formação com toda a sua ideologia excludente onde o Policial Militar é muito mais um MILITAR do que um POLICIAL. Tal se prova no momento em que constatamos que a criatividade e a motivação de seus profissionais são direcionadas para atividades mais confortáveis onde de fato estas características são verdadeiramente aproveitadas, haja visto que mesmo com boas idéias, um soldado, por exemplo, não as pode colocar em prática, visto que no militarismo “manda quem pode, obedece quem precisa”.
O policiamento nos moldes militarizados estruturou as instituições em castas nas quais o desconforto de tentar aplicar uma metodologia de segurança pública de fato e não apenas de direito cabe aos Praças, que verdadeiramente sustentam e justificam a instituição e que contraditoriamente são os mais passíveis de castigos, expulsões, punições, riscos, pressões e incentivo zero pelas castas superiores que estando em uma posição hierarquicamente elevada (e somente por este motivo) fazem jus ao conforto das instalações, as benfeitorias (sejam salariais ou na carreira) e a todos as formas de regalias “inerentes aos cargos gerencias” como moradias, motoristas, veículos, entre outras.
Não bastasse esta assimilação do modelo organizacional do Exército, e a sua conseqüente burocratização, as instituições militares estaduais requereram também o modelo de formação com toda a sua identidade ideológica, onde o militar é em um primeiro momento MILITAR e secundariamente POLICIAL e por último CIDADÃO. Tal se prova no momento em que constatamos que a criatividade e a motivação de seus profissionais são direcionadas para atividades mais confortáveis onde de fato estas características são verdadeiramente aproveitadas, haja visto que mesmo com boas idéias, um soldado, por exemplo, não as pode colocar em prática, visto que no militarismo “manda quem pode, obedece quem precisa”.
Passados quase dois séculos a justificativa para a manutenção do sistema de segurança pública militarizado é a ideologia do medo, ou seja, o militar só agiria conforme o Estado quer e necessita através do temor de ser punido (com rigor), pois assim sendo não questionaria seus superiores. Ocorre que a sociedade evolui e esta lógica não se coaduna mais com a realidade, sendo necessário a adoção de modelos flexíveis que tornem o Policial participes e responsáveis pelo processo de mudança necessários, sob de a segurança pública caminhar na contramão da história, pois a violência tem amplo campo para progredir no Brasil devidos a vários aspectos tais como miséria social, drogas, consumismo estimulado pela mídia, legislação defasada, deficiente e complacente e por um modelo de segurança pública arcaico. Por fim é preciso dize que a questão da segurança pública deve ser assumida por todos os atores envolvidos, quais sejam a sociedade, o poder público e os trabalhadores como um todo e não apenas por um grupo que apresenta sempre as mesmas fórmulas mirabolantes utilizadas inúmeras vezes e que já provaram não darem resultado algum. Aos atuais gestores das políticas de segurança pública interessa a permanência do atual modelo, afinal, um modificação redundaria em perda de privilégios e fundamentalmente de poder.
Após 1988, com advento da Constituição Federal, algumas tentativas de modificar o sistema de segurança pública foram feitas, no entanto, todas esbarraram em lobbys poderosíssimos notadamente naqueles que atuam em defesa da denominada “política de segurança nacional”, quais sejam os militares federais que em comum acordo com as cúpulas militares estaduais atuam para a manutenção do modelo tal qual como foi e como é ainda hoje. A redemocratização do País ocorreu sob os auspícios das cúpulas militares e só aconteceu sob determinadas condições entre as quais a manutenção do poder coercitivo do Estado (entenda-se Policias Militares) sob o domínio ou controle das cúpulas militares federais.
Por fim, necessário informar que o que foi dito aqui é apenas uma introdução de um problema muito mais amplo e que carece de um debate sério que perpasse o mero debate doutrinário e intelectual, pois a permanecer como esta, tendemos a “enxugar gelo” como se diz coloquialmente.
PEC 21 já - Desmilitarização.
ResponderExcluirGrande Elizandro Lotim, parabéns pelo Blog!
Cabo José - Laguna