A (IN) SEGURANÇA PÚBLICA, A FALTA DE EFETIVO, O BICO, À HORA EXTRA, E O BODE NA SALA.
Existe um dito popular que expressa muito bem à situação da (in) segurança pública em Santa Catarina, vamos a ele:
Dizem que um pai de família necessitado, passando por sérias dificuldades, morando numa casinha muito pequena e com muitos filhos, foi pedir ajuda ao pároco da cidade.
Chegando lá, contou o seu drama e o padre lhe deu um bode com a recomendação de que, durante uma semana, ele mantivesse o bode na sala e depois disso voltasse lá.
Passada uma semana, o cidadão voltou e o padre perguntou: e então? As coisas melhoraram?
- Não, seu padre. Não melhorou nada...
- Então, devolva o bode e volte daqui a uma semana. Disse o padre.
O sujeito devolveu o bode e uma semana depois retornou. Novamente o padre perguntou: E então? As coisas melhoraram?
- Agora sim, seu padre, melhorou bastante. Sem o bode a gente tem espaço na sala e não tem mais aquela fedentina.
A segurança pública, assim como a educação e a saúde, são o tripé primeiro que sustenta a necessidade da existência do Estado e dentro desta lógica, todo e qualquer governo deve necessariamente privilegiar tal tríade como forma de justificar a “necessidade” do modelo de Estado existente.
Não é o que ocorre, pois ao longo do tempo e atualmente outras áreas que não as citadas acima foram (e estão) sendo mais beneficiadas do ponto de vista de prioridades, veja-se estruturas físicas dos prédios estatais, que recebem vultosos recursos para o seu embelezamento e para o conforto de seus ocupantes, veja-se o cabide de empregos, com a criação de mais e mais cargos comissionados, entre tantos outros exemplos, que não fazem a menor diferença para o cidadão pagador de seus impostos e que quer das autoridades que estes apenas cumpram com aquilo que o Estado se propõe, ou seja, que possibilite ao cidadão uma saúde de qualidade, uma educação que de fato possibilite a todos, cultura e conhecimento e uma segurança pública que garanta a tranqüilidade necessária para que cada um consiga “tocar” a vida.
O processo de abandono na saúde e na educação é real e ocorre todos os dias sem que a população se dê conta que em breve terá que pagar para que estes serviços possam ser oferecidos, haja visto que o Estado, de forma lenta e gradual, vem instituindo uma política de privatização dos setores.
Na segurança pública este processo, que vinha ocorrendo de forma dissimulada, torna-se agora mais ostensivo, pois a se balizar pelas últimas atitudes das autoridades, o processo de entrega e abandono deste seguimento torna-se real e visível.
Naturalmente que o discurso oficial não referenda tal lógica, mas na prática tais discursos são demagógicos e não passam de mera falácia, visto que as intenções não se coadunam com a realidade das ações e tal constatação é percebida pelos servidores e por aqueles que minimamente se interessam pelo problema e que obviamente não tem interesses e compromissos, sejam pessoais ou com o Governo.
Na Polícia Militar a realidade e as intenções demonstram claramente que o discurso é um e a realidade é outra.
É notório que a falta de efetivo tem se tornado um dos grandes problemas do ponto de vista institucional e que necessariamente necessita de uma solução urgente, haja visto que em poucos anos a tendência é o agravamento desta situação.
A Policia Militar atualmente tem o mesmo efetivo que tinha na década de 80, sendo que a população no período praticamente dobrou. Esta falta de investimento em contratações, bem como algumas medidas de cunho divisionista, refletem na (in) segurança da sociedade e naturalmente no trabalho dos servidores.
A concessão de aumentos diferenciados, na qual um seguimento é privilegiado em detrimento da imensa maioria, a possibilidades de ascensão na carreira maior para alguns (notadamente os cargos gerenciais), diferentemente do que ocorre com os aqueles da base, as perseguições e exclusões, alicerçadas em lógicas autoritárias, ditatoriais e demagógicas, nos dão uma idéia de como o seguimento é tratado e nos levam a crer que a segurança pública, para nossas autoridades não passa de mais um setor onde a prioridade não é a sociedade, mas tão somente os discursos e estes em momento algum dão conta das necessidades reais da população e dos trabalhadores. A sociedade se vê a mercê da violência social e os trabalhadores (aqueles da base) a mercê da violência e do abandono estatal.
A falta de efetivo, somado com desânimo dos servidores da base das instituições militares é real e visível e as medidas que poderiam minimizar tais problemas ainda não foram adotadas e pior estão sendo impedidas, agravadas e proteladas a despeito de todas as necessidades, sejam sociais ou institucionais.
Algumas destas medidas tomadas, contrariam o discurso oficial e não há como calar-se ou omitir-se a respeito de tão odioso e desnecessário debate.
A exclusão de Praças, com fichas disciplinares exemplares, com excelentes serviços prestados para a sociedade e para a instituição e tudo em prol de uma lógica simples de calar e amedrontar vozes que pregam uma segurança em benefício de todos ou ainda em prol de uma instituição que de fato valorize seus profissionais como um todo e não apenas determinados setores, agravada com o não cumprimento da lei da anistia (entre outras), mostra que pouco se pretendeu e pretende de fato fazer algo em prol da segurança ou de seus profissionais, haja visto que acaso tais profissionais vitimas de lógicas autoritárias não tivessem sido excluídos ou já tivessem sido reintegrados mais policiais estariam trabalhando e auxiliando a já tão esquecida e abandonada população. É preciso parar, refletir e deixar de lado os discursos fáceis, pouco originais e partir para medidas práticas, justas e com intenções reais e verdadeiras de solução dos problemas.
Outra medida que vai de encontro a toda e qualquer fala fácil, versa sobre a informação da proibição de que, policiais militares que procuraram seus direitos, na justiça, de receber por seu trabalho extra prestado à sociedade, fiquem proibidos de realizar o máximo permitido de horas extras pagas pelo Estado.
A lei 137/95, impõe um limite máximo de 40 horas extras a ser paga ao policial ou bombeiro militar que ultrapasse o limite de 160 horas trabalhadas por mês. Ocorre que em função do pequeno efetivo de ambas as instituições e da necessidade cada ver maior da sociedade em ter segurança pública, em função do aumento da violência por toda a Santa Catarina, policiais e bombeiros militares, não raras vezes ultrapassam o limite de 40 horas (há caso que o número de horas extras chega a 80 no decorrer do mês) pagas pelo Estado, sendo que nada recebem por isso, ou seja, trabalham de graça.
Muitos dos Praças e também vários Oficiais, com o desrespeito por parte do Governo em não remunerar o trabalho efetuado, buscaram seu direito na justiça e esta tem determinado ao Estado que pague pelo trabalho prestado que excede ao limite permitido e é exatamente neste ponto que o discurso dos governantes contraria a realidade, pois ao ser notificado, o Estado determina que o policial e ou bombeiro que buscou seu direito e que o tenha ganhado, fique proibido de fazer até mesmo aquelas horas permitidas pela lei (de 40 horas extras) em uma espécie de punição velada por buscar seus direitos na justiça.
Tal medida arbitrária, além de prejudicar mais ainda a sociedade, pois esta deixa de ter a seu serviço um policial ou bombeiro militar, por conta de uma lógica meramente autoritária, também prejudica sobremaneira o policial ou bombeiro, visto que o valor percebido por este com as 40 horas extras (permitidas pela lei) significa cerca de 40% do salário total do mesmo. A proibição da realização das horas extras permitidas torna o já parco salário, menor ainda.
Esta medida, a nosso ver absurda, propícia a abertura de brechas extremamente perigosas, visto que qualquer cidadão ao ser ver acuado no tocante a proporcionar o mínimo de segurança e dignidade para a sua família, pode eventualmente incorrer em práticas não aceitáveis e no caso dos profissionais de segurança público, a que se ressaltar que estes vivem em uma linha extremamente tênue entre o certo e o errado.
Outra medida absurda, de extremo mau gosto e que prejudica sobremaneira a sociedade e o profissional de segurança pública, diz respeito à intenção do governo de legalizar o chamado bico (serviço prestado pelo servidor de segurança pública nos horários de folga).
Tal medida vem sendo tratada por algumas autoridade como sendo a panacéia dos problemas de (in) segurança pública. Algumas considerações acerca desta infeliz intenção deve ser ponderadas, não só pelos profissionais da área, mas também pela sociedade como um todo.
Primeiro é necessário informar à população que o profissional que faz o “bico”, nas instituições militares, é o Praça e não os Oficial e isto naturalmente tem uma explicação muito simples, qual seja o baixo salário percebido por pelo primeiro que impossibilita o mesmo de viver uma vida digna e em alguns caso honrada.
Outra questão a ser colocada é a de que é tolice e até desrespeito de alguns imaginar que o profissionais fazem “bico” porque gostam ou porque não tem nada que fazer. Acaso imaginam que o policial não tem família, vida particular, que não cansa, enfim que é simplesmente um robô? Naturalmente que não é (apesar de que muitos, nas corporações militares assim pensem).
O policial, como qualquer outro trabalhador necessita de seu descanso, de seu convívio com a família, de vida social, de lazer e só se submete ao cansativo e extenuante “bico” em função da necessidade de dar aos seus familiares o mínimo de dignidade e de qualidade de vida e de segurança financeira.
Outro fator a ser analisado versa sobre as condições físicas e psicológicas a que o policial estará sujeito, caso a proposta de legalização do “bico” se concretize.
A atividade policial por si só é extremamente desgastante e exige do servidor contínuo aperfeiçoamento e condições psicológicas a altura de alguém que vive em função de apaziguar conflitos, situações de risco e problemas, os mais diversos e inusitados. Ressalte-se que atualmente este aperfeiçoamento, em sua imensa maioria é bancado pelos próprios policiais, pois a despeito da necessidade que a função exige o Estado pouco investe e em muitos casos até impede que tal aperfeiçoamento se concretize, vide dificuldade que muitos tem de concretizarem o sonho da universidade por conta da falta de bom sendo de alguns.
A legalização do “bico” levará os poucos policiais que ainda não o fazem, a se aventurarem em trabalhos extras, prejudicando ainda mais a qualidade do trabalho prestado por estes servidores, que a despeito de todas as humilhações a que estão submetidos pelo governo, ainda assim se esforçam por tentar levar à sociedade uma segurança pública de qualidade e com responsabilidade.
Ora se atualmente já nos deparamos com críticas ao trabalho dos policiais militares, criticas estas muitas vezes infundadas em função da análise errada acerca dos verdadeiros motivos que devem ser objeto de estudo, e que notoriamente desencadeia uma rede de erros, tais como a excessiva carga horária de trabalho (inclusive sem o ganho monetário, como dito acima), as perseguições e pressões internas, somado com a falta de uma política de saúde do trabalhador de segurança pública, que acontecerá se acaso o trabalho extra for aprovado e dado como legal? A resposta a esta simples pergunta é uma só, pois é de conhecimento geral que o stress, o cansaço, influenciam sobremaneira na atividade fim e em assim sendo naturalmente que problemas surgirão pondo em risco a credibilidade da instituição e principalmente a população que ficará sendo protegida por um policial mais cansado e desmotivado do que hoje.
Outra possibilidade a ser analisada é que a legalização do “bico” pode levar a formação de grupos de segurança armados e estes por sua vez se tornarem “milícias”, que a despeito das boas intenções podem acabar se transformando e mudando a sua forma de agir, vindo inclusive a competir com o próprio Estado na prestação da segurança.
Creio que a exposição de motivos acima deve ser motivo de análise por parte da sociedade e dos servidores envolvidos, haja visto que a se balizar pelas decisões de nossos políticos, estes pouco se importam com as reais necessidades da sociedade e menos ainda com os servidores públicos, no caso aqui, os policiais militares, notadamente os Praças.
A resolução do problema de segurança pública passa necessariamente pela contratação imediata de novos servidores, por uma política salarial justa, pela efetivação de fato do plano de carreira do servidores Praças militares estaduais, por uma humanização nas relações internas e por respeito aos profissionais, além é claro de uma política de investimentos em saúde e educação, qualquer coisa que fuja desta concepção é apenas por o bode na sala, para retirá-lo em futuro não tão distante, com resultados piores do que estamos vendo agora, seja para a sociedade ou para os profissionais.
Esperamos que a sociedade, a mídia e os gestores das instituições (que discursam aos quatro cantos que defendem as mesmas com todas as forças), se levantem contra mais este ataque que não é apenas contra uma categoria, mas sim contra a instituição e contra a sociedade como um todo, afinal são estes os segmentos a serem novamente relegados.
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